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Este não é o blog que você precisa ler. |
A revista
Veja, faltando 72h para o 2º turno das eleições de 2014, publicou uma
reportagem bomba, em que o doleiro Alberto Youssef dizia que o ex-presidente
Lula e a candidata Dilma Roussef sabiam, há tempos, dos problemas de corrupção
da Petrobrás. A revista trouxe em suas páginas um excerto de um depoimento do doleiro,
que teria sido dado à Polícia Federal dias antes. A revista chegou
adiantar a distribuição da revista em dois dias, para que a mesma chegasse
antes às mãos dos eleitores. Outros meios de comunicação, como a Folha, o
Estado de S. Paulo, e as organizações Globo (jornal e TV) limitaram-se, nestes
primeiros dias, a simplesmente noticiar a publicação da revista, sem confirmar
ou negar a notícia em si.
No mesmo dia,
em seu programa eleitoral e repercutindo na Internet (redes sociais, blogs
oficiais e oficiosos, militância virtual) o programa da candidata foi incisivo:
publicar a notícia faltando dois dias para a eleição era terrorismo eleitoral,
fascismo, a revista iria ser devidamente processada. Nenhuma palavra, porém,
sobre a denúncia em si – da mesma presidente que havia declarado, dias antes,
que “ninguém estava acima de qualquer suspeita”. Apenas a promessa – bem menos
incisiva de que a garantia de que a Veja iria ser processada – de que ela iria
investigar (papel que, na verdade, a Polícia Federal já está fazendo) doesse a
quem doesse (lembrando o “duela a quien duela” do Collor) e que não iria deixar
pedra sobre pedra. O ex-presidente limitou-se a dizer que não lia a revista. A
militância através da UJS (União da Juventude Socialista, ligada ao PCdoB), foi
até a sede da Abril e, democraticamente, pichou, destruiu e colocou fogo na
entrada da editora.
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Eu não sei de nada. |
Com Dilma já
eleita, os blogs governistas propagaram uma versão que, além de o advogado do
doleiro desconhecer o depoimento que implicava Lula e Dilma, no dia seguinte ao
depoimento (quarta feira, portanto) o mesmo doleiro havia corrigido/ desmentido
o depoimento do dia anterior, invalidando toda a reportagem da Veja – a informação
teria sido retirada de uma nota do Globo. A militância virtual cuidou de propagar
essa versão como verdadeira, com os dizeres “Veja mente”, “Advogado desmente
Veja”, “Golpe da mídia fascista” e outras palavras de ordem, inocentando a
presidente reeleita e o ex-presidente. Esta notícia também foi divulgada, com
menos ímpeto, pela “mídia tradicional”.
Mas, dias
depois, uma nova informação: não houve desmentido, e o advogado
também negou ter desmentido – ou confirmado – a notícia da revista Veja, indicando
que ele não o poderia fazer, por causa do segredo de justiça. Essa informação
ecoou pouco nos meios tradicionais (já que o próprio desmentido não teve muita
divulgação) e absolutamente nada nos blogs governistas.
Nestas idas e
vindas da informação, da publicação, da revolta, do desmentido, da não
confirmação do desmentido, sempre surge uma vontade de quem está no poder de censurar
a informação – de tal jeito a que só a informação favorável a quem
controla a censura possa chegar à população. Podemos chamar isso de “proteção
à moral”, “preservação dos bons costumes”, “apoio à cultura nacional”, “alinhamento
com os interesses do país”, “regulação ‘qualquer coisa’ da mídia” (mídia aqui
quer dizer simplesmente “meios de comunicação”, mas resolveram abraçar esse
estrangeirismo, fazer o quê), mas, no fundo, no fundo, é apenas a velha e nada
boa censura, com um verniz de modernidade e caráter “social”.
A simples ideia
de alguém decidindo o que posso e o que não posso saber me causa preocupação. Passei
por parte da ditadura sabendo que os jornais tinham sido “editados” com
receitas de bolo e pedaços de romances – e já sabia, na época, o que isso
representava – e, é claro, ficava ainda mais curioso com o que estava sendo
escondido. E recebia dos adultos a explicação de que, “se o governo não quis
que nós soubéssemos, é melhor não saber mesmo.”
Uma informação
como essa, é claro, publicada como foi, a 72 horas da eleição, pode mudar os
resultados da mesma. Mas proibir a publicação com base na eleição não é uma
justificativa. Se a mesma notícia se referisse ao candidato da oposição e a Veja
deixasse de publicar porque iria “prejudicar o candidato” (e eu não estou
dizendo que Veja não o faria) ela também seria acusada de “golpe” (e, desta
vez, acredito, com toda razão). A obrigação do meio de comunicação é averiguar a notícia (o que foi feito) e publicá-la.
Meios de
comunicação livres são importantes, e necessários para a democracia. Mas, mais
importante do que isso, é o Estado não tratando a cada um dos seus cidadãos como
alguém que precise de um tutor, decidindo quais notícias serão e quais não serão
publicadas.
Isso não quer
dizer que a mídia não deve assumir as consequências do que publica. Ao
contrário: significa que ela deve ser responsável e, principalmente,
responsabilizada pelo que faz. Isso se aplica tanto no caso da revista Veja ou
dos blogs governistas que publicaram o “desmentido” e a chamaram de golpista –
dependendo de quem tenha razão nesse caso.
E também não
significa que não deve haver regras específicas para a mídia. A proteção do
cidadão, de sua privacidade, de informações não verdadeiras, da imparcialidade
na publicação da notícia. Imparcialidade, porém, não quer dizer que o
jornalista ou comentarista não pode ter uma opinião, limitando-se a dar
notícias – isso nem a Hora do Brasil ou a TV Brasil fazem. Por imparcialidade entende-se,
aqui, simplesmente tentar ouvir os dois lados antes de publicar uma notícia. Mas a
proteção ao cidadão também passa por ele ter direito a saber o que acontece com
seus representantes, e se eles realmente o representam em suas ideias,
ideologias, esperanças e costumes. Seja a notícia da Veja verdadeira ou não, os
cidadãos teriam todo o direito de saber antes do voto e decidir se acreditariam
nela ou não, e, com sua decisão, definir seu voto. Hoje, passada a eleição,
sabemos que a maioria da população decidiu pela continuidade. Tomando ou não
conhecimento da informação, acreditando ou não na veracidade dela e, mais relevante
ainda, dando importância ou não aquilo que foi noticiado frente aquilo que
julga importante para sua vida – sejam seus benefícios, seja sua ideologia,
sejam seus medos ou esperanças.
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E se a mídia não noticiasse esse tipo de coisa... |
Considerando
isto, a divulgação de uma suposta briga entre o candidato da oposição e sua
acompanhante, anos atrás, assim como outras notícias sobre seus hábitos, foi
ainda mais injusta – pois atingiu o cidadão, não o candidato – ao contrário de
notícias sobre o aeroporto, que atingiam o candidato, não o cidadão.
Essas regras
devem proteger o cidadão que vota, e não o alijar do processo de decisão. Deve
proteger quem vai escolher o futuro do país, e não quem está se candidatando
para um cargo eletivo.
Se o governo
está realmente preocupado com o impacto das informações sobre o eleitorado, a
única e duradoura forma de fazer isso é através da universalização da
comunicação e da educação. Desta forma, o cidadão pode escolher, livremente,
quais informações receber, em quais acreditar, e quais considerar em suas
decisões.
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..., como ficaríamos sabendo? |
E há, claro,
outras regulamentações que podemos considerar, que evitem expor crianças, ou
fazer apologia de crimes, ou perpetuar estereótipos, ou qualquer outra coisa
que nos prejudique como sociedade – mas nada que torne mais difícil o acesso do
cidadão a opiniões ou fatos que ajudem em nossas decisões. Coisas como faixas
de horário (na TV, rádio) para programas e propagandas, ou mesmo recomendações
são bem vindas. Não deixar que um mesmo grupo controle toda a informação, da
mesma forma que nos outros mercados, também é importante. Mas não mais do que
fazer com que políticos (e suas famílias) não possam ter concessões.
E, falando em
concessões, algo também importante. Rádios e TVs se utilizam de faixas de ondas
que são reguladas e controladas pelo Estado. Para cada concessão, além do
pagamento de taxas para sua utilização, deveria haver uma contrapartida para o
cidadão – não para o Estado. Estes poderiam ter sua concessão retirada caso não
obedecessem aos parâmetros definidos no contrato de concessão.
No caso das
revistas e jornais, e da internet, não há essa concessão. Então, o que pode ser
feito é simplesmente o uso das leis. E do público, que vai deixar ou continuar
a consumir aquela informação.
Em resumo, não
importa qual a roupagem que dão a censura.
Ela não é
desejável ou necessária para nosso país, em quaisquer circunstâncias.
E a pior coisa sobre a censura é que ela é censura.
David Araújo
PS. uma ótima série sobre como eu acho que a imprensa poderia ser é "The Newsroom", As duas temporadas (a terceira vem por aí) tratam exatamente sobre a liberdade de imprensa, e, de forma ficcional, como a mídia poderia ajudar o cidadão a se decidir - inclusive, errando fragorosamente.