segunda-feira, 27 de outubro de 2014

De quem é a culpa?


O primeiro passo para se resolver um problema é reconhecer que há um problema.

Dizer que o país não está dividido depois da eleição é tentar se enganar e contribuir para agravar o problema. Culpar o Nordeste, os pobres, os beneficiários do bolsa-família pela eleição de Dilma é apenas declarar meio sem jeito e sem um pingo de vergonha que não conhece as regras da democracia - ou que não concorda com elas -, ou a simples questão do um homem, um voto. É colocar o outro em posição inferior. É dizer que eles não merecem votar.

As armas, soldados.

Mas não foram esses que elegeram o PT. Na verdade, se quiser culpar alguém, culpe aquela pessoa que não votou, ou votou em branco ou nulo. Foram 29% dos eleitores. Que poderiam até querer que as coisas mudassem, mas preferiram viajar. Provavelmente este eleitor era seu amigo, seu vizinho, seu parente, perto de você. Não lá longe do outro lado do país. Mas este eleitor também decidiu deixar para outro escolher (independente do que ele ache, foi exatamente isso que ele fez: deixou que os outros escolhessem por ele).

Esses eleitores acreditaram que seus votos não iriam fazer diferença, e, com isso, aceitaram tacitamente que as pessoas que dão valor ao voto decidissem – e, infelizmente para quem esperava mudar o governo, a maioria dessas pessoas escolheu o PT para os próximos quatro anos.

Esses eleitores, cidadãos que tem (ou deveriam ter) os mesmos direitos de qualquer outro eleitor e que escolheram a continuidade assim o fizeram porque o Estado tem chegado até eles – com benefícios, discursos, ideologias, ameaças, mentiras, assistência, colocando-os como cidadãos, levando o Estado até eles, fazendo-os confundirem os conceitos de governo, partido, estado, acirrando o neocoronelismo, dando esperança, enchendo-os de medo, criando empregos, escondendo estatísticas. Não importa: o que importa é que o PT tem chegado até estes eleitores com eficiência, e conquistado o coração dos mesmos.


Algo que a oposição não tem conseguido fazer.

Ou tem tentado fazer apenas em época de eleições.

Pra que parar na separação do Sudeste?
A oposição deveria estar preocupada – e os eleitores da oposição, também – em como fazer com que as idéias, esperança, ideologias e resultados da sua forma de ver o país cheguem até essas pessoas – e que elas possam decidir. Devem fazer o possível para convencer e ganhar corações e votos. Devem estar presentes no Senado, na Câmara.

Devem estar presentes não apenas daqui a quatro anos.

Devem demonstrar e se orgulhar de seus feitos.

Colocar a culpa em uma classe de eleitores é de uma arrogância sem tamanho. É dizer que seu voto é melhor do que o deles. Eles escolheram conforme as informações que tinham – aquelas informações que acharam confiáveis. Escolheram aquilo que consideraram que lhes garantiria o seu conforto. Do mesmo jeito que eu e você. Pode ser que a informação que eles tinham era só a oficial, ou a oficiosa. Pode ser mentira. Mas eles decidiram da mesma forma que todos os outros eleitores. E, para melhorar a qualidade do voto, só mesmo com mais educação, para que o eleitor (todos) possa filtrar a informação segundo seus próprios critérios.
Demoramos para chegar aqui. Jogar fora é bobagem.


Não aceito pensar em alguém decidindo qual informação posso ter ou não para tomar minhas decisões. E não aceitar isso para ninguém, seja a Veja, a Carta Capital, a Globo, a Hora do Brasil ou qualquer outra fonte de informação.

Não há culpa. Há lições a serem aprendidas.

Nada mais resta a não ser aceitar o resultado da eleição, e, democraticamente, começar a pensar em 2018.

Pensar em jogar quase 500 anos de união do Brasil por causa de 16 não é só errado. É também uma demonstração de como nossa democracia precisa amadurecer – como seus eleitores.

David Araújo

Sobre o preconceito paulista, escrevi este post.

Fontes:
Figuras da Wikipedia e 


domingo, 26 de outubro de 2014

O que eu quero


A cara do nosso governo.
Mas com as piores ideias.

Já cumpri minha obrigação eleitoral, hoje, indo até a seção. Também cumpri meu direito de votar para presidente da República.

Votei pela mudança, por não concordar com os rumos da economia, por não concordar com as mentiras, os encobrimentos, a falta de eficiência do governo – não porque eu tenho alguma fé no outro; só acredito, pelo que aconteceu nos últimos 12 anos, que este não vai fazer o que precisa ser feito. Ainda mais com a aprovação da população. Do mesmo jeito que ocorre em São Paulo.

Eleger a oposição, segundo o governo atual, é eleger as ideias de 12 anos atrás, com outras pessoas.

Reeleger o governo atual é votar nas mesmas ideias que estão aí há 12 anos, com as mesmas pessoas.

Reconheço os progressos que fizemos nos últimos anos, mas também reconheço os progressos e a importância do que aconteceu nos anos anteriores. Ao contrário do que grande parte dos situacionistas acredita, não considero que houve uma revolução no último governo e que, muito do que aconteceu agora na verdade dependeu das modificações anteriores. Se houve alguma revolução na vida do brasileiro, foi a derrubada da inflação. Nisso, sim, podemos considerar que o Brasil acordou diferente de um dia para outro.

E, ao contrário do que o governo federal quer nos fazer acreditar, também não considero que essas conquistas sejam tão frágeis e que eles são os paladinos protetores – são mudanças conquistadas pela Nação, e que são válidas exatamente por isso. Essas mudanças não deveriam depender da permanência de único partido no poder.

Não tenho dúvidas dos avanços nos direitos das minorias que ocorreram no período deste governo. Mas sei também que eles tiveram pouco ou nada a ver com a atitude do governo em si. Foi esse governo que vendeu a vaga da Comissão de Direitos Humanos da Câmara para o Feliciano, foi esse governo que disse que não faria propaganda de “opção sexual” ao vetar o kit anti-homofobia, foi esse governo que não se manifestou pro ou contra o aborto. E, caso a sociedade não mude nesses aspectos, o próximo governo vai ser igual – independente de quem for eleito. Na verdade, as novelas da Globo tem mais participação na conquista de direitos do que toda e qualquer mudança de governo, quando integram essas ditas minorias como protagonistas. Foi também o governo que se grudou naquilo que é de mais atrasado na política, mesmo tendo reclamando, criticado e condenado tudo isso no passado.

Não quero um governo que diga o que alguém pode ou não pode fazer com seu corpo. Mas também não quero um que diga o que eu posso e o que eu não posso pensar, um que não queira me dizer o que é certo e o que é errado.

Ou mesmo que um indivíduo não pode classificar algo como “certo” ou “errado”.

Quero um governo que, numa reeleição, possa se concentrar mais no que fez e menos nos defeitos dos outros candidatos. Um governo que não precise mentir sobre o que o outro candidato vai ou não vai fazer. Um governo que não precise se preocupar em censurar a manchete de uma revista, pois vai ter moral para que as pessoas saibam que a revista está mentindo ou não. Um governo que pregue a paz entre os militantes, e que respeite o contraditório.

É o que querem que você acredite estar escolhendo.
Quero um governo que tente unir o Brasil, e não o separar segundo sua raça, religião, estado social, região, opinião política, sexualidade ou quaisquer outros itens. Um que não trate os movimentos como massa de manobra – sua, quando favorável a ele, e dos inimigos, quando desfavoráveis.

Quero um governo que não tente enganar a população com a imposição de deveres e direitos. Um governo que possa ouvir os anseios da população, sem olhar para ela com desconfiança. Um governo que não se esqueça dos menos afortunados, mas que os trate como cidadãos iguais a todos, não como massa de votantes, enganando-os, ameaçando, tornando-os prisioneiros de seus planos. Um governo que tenha orgulho de ajudar as pessoas a não precisarem mais de seus planos sociais, e não bater no peito quando o número de famílias que necessitam dele aumenta a cada dia. Um governo que não saia com planos mirabolantes para importar novos médicos, mas que dê condição a que os brasileiros médicos sejam formados e queiram trabalhar aqui no nosso país.
Quero um governo que não fique com ideias fascistas de expulsar do país jornalistas que digam algo negativo. Um governo que não idolatre fascistas, e que coloque sua população acima de seu partido. Um governo que reconheça seus erros, e não tente escondê-los.
Quero um governo em que eu não tenha que me preocupar em elegê-lo e, logo depois, o mesmo sofrer um impeachment.
Um governo que não dependa de uma só pessoa.
Civilidade na eventual troca de governo também é uma boa ideia.


Quero um governo que não trate as pessoas como beneficiários, minorias, elites, contribuintes, trabalhadores, empresários, apoiadores, opositores, amigos, inimigos, eleitores. Quero um governo que trate a todos como cidadãos.

Não sei se um eventual novo governo do PSDB iria fazer isso.

Realmente não sei.

Sei, porém, que dar uma carta branca para o governo atual continuar a fazer tudo do jeito que está fazendo é algo que não passa pela minha cabeça
.
E também sei que, não importa quem seja eleito, provavelmente em 2 de janeiro estarei, como nos 20 últimos anos, fazendo oposição crítica a quem quer que esteja no governo.

No mais, daqui a pouco as urnas são fechadas, e acredito que antes das 21h já saibamos quem será presidente do Brasil nos próximos 4 anos.

Apesar da minha preferência pessoal pela mudança, creio que, quem quer que ganhe ou perca, vai depender de nossa atitude, a partir de amanhã, para fazer com que quem ganhe a eleição seja, verdadeiramente, o país.


David Araújo

sábado, 25 de outubro de 2014

Eleitores situacionistas e a informação

A edição da revista Veja com as supostas denúncias do doleiro (ainda não li na íntegra, então, não vou comentar... ainda) causou uma gama de reações nos eleitores da candidata. A reação mais extremada foi a pichação na sede da Editora Abril em São Paulo (ainda bem que foi com tinta, se fosse com água não iriam conseguir). Outras reações ficaram entre a da própria candidata (chamar a publicação de "terrorismo eleitoral") e a de seu padrinho político, o presidente Lula (dizer que não lê a revista).

Há algum tempo venho acompanhando as reações dos eleitores do PT em relação à informação (e, de novo, não quero entrar no mérito de se as informações são verdadeiras ou não), ao vivo, por e-mail, chat, facebook, tv, rádio, e essas reações não são diferentes das de quaisquer outros eleitores situacionistas. Isso se dá porque os eleitores da situação já têm cristalizados as conquistas que consideram importantes e, além disso, já investiram seu tempo em discussões e argumentos para convencer aos seus pares e principalmente a si mesmos dos motivos pelos quais a continuidade é melhor do que a mudança (retroagir ou progredir de maneira diferente, não importa). 

Porém, com o clima de discurso de ódio separatista que parece ter sido instalado nos últimos governos (atualmente, enquanto os situacionistas argumentam que é um movimento antipetista, os oposicionistas afirmam que foi alimentado pelo próprio PT), as gradações foram ficando cada vez mais claras, até que se configurem em divisões reais.

Essas divisões indicam como o eleitor trata essa informação, e como esse tratamento - e não a informação em si - o leva a sedimentar uma decisão já tomada.

Se você não concordar ou quiser contribuir, por favor, coloque nos comentários. Desde que não ofensivos (também vale para a língua portuguesa) agradeço desde já.

O eleitor sem acesso à informação – o isolado
Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. 
Esse tipo de eleitor está isolado da informação, seja pela distância, seja pela falta de recursos, seja por um isolamento de seu grupo (comunidade, agrupamento, coletivo) que impede que a informação chegue a ele. Isso não quer dizer que o mesmo não tenha nenhuma informação (o isolamento total é impossível nos dias de hoje) quer dizer apenas que ele só recebe a informação filtrada e que, obviamente, é sempre favorável à situação. Normalmente, esse eleitor é apartidário e não considera uma vertente esquerda/direita.

É nesse eleitor que se concentra o coronelismo e o neocoronelismo, em suas duas vertentes (o voto por ameaça de retirada de benefícios ou o voto de gratidão pela concessão de benefícios).

Ainda que este eleitor vote na continuidade, do ponto de vista da fidelidade do voto é o mais frágil. O contato com a informação pode facilmente mudar seu voto. A sua escolha se dá apenas por informações não-contraditórias, positivas para a situação, negativas para a oposição.

Este eleitor costuma colocar os outros eleitores, independente da orientação situacionista ou oposicionista, como fontes de informação.


O eleitor com acesso à informação, mas que escolhe não se informar – o iludido
The truth is... I'm Iron Man.
Para este tipo de eleitor, buscar a informação é perverter seu processo de decisão: ele já sabe o que precisa saber, já vê as coisas acontecendo, conversa com as pessoas na rua, não precisa se expor a qualquer tipo de informação que possa mudar sua opinião cristalizada. No caso anterior, do isolado, há um isolamento involuntário (ele não é refratário a informação); no caso deste, o isolamento é voluntário (ele se cerca de pessoas que pensem como ele). Quando este eleitor é obrigado a se expor a alguma informação contrária (por exemplo, numa conversa com um oposicionista) ele comumente se aferra aos recursos que reforçam sua posição (sua própria experiência, ou a experiência de outros como ele). A fonte de informação, nesse caso, tende a ser isolada dele e de seu grupo, para que não haja "contaminação".

A continuidade, para este eleitor, representa um "acerto" em suas escolhas anteriores - o que ele considera como uma vitória própria e de seu grupo/entorno. O voto deste eleitor é de média fidelidade, pois o esforço para manter-se isolado da informação é alto, e depende sempre de se manter um grupo coeso de pessoas a sua volta, protegendo-se da informação.

Este eleitor costuma colocar os eleitores situacionistas como fontes de informação e os oposicionistas como iludidos ou mal-intencionados.

 
chmod 777 mine;
rm -f  others
O eleitor com acesso à informação, mas que a filtra com base em sua ideologia – o paranóico
Os eleitores estão expostos as informações, mas suas reações dependem unicamente do quanto se encaixam em suas ideias preconcebidas (as notícias positivas são verdadeiras, as notícias negativas são falsas e denotam conspiração, golpe ou a "influência de forças invisíveis").  

Ao contrário do grupo anterior, dos eleitores que escolhem não se informar, toda informação é cuidadosamente filtrada, e, muitas vezes com alguma falácia como o argumento de autoridade (a presidente disse que era mentira, e ela é a presidente) ou ad hominem (o FHC disse, é mentira) para justificar sua posição em relação à informação. A confiabilidade da fonte é determinada apenas no conteúdo da informação. Assim, a mesma mídia (a Folha de S. Paulo ou a Globo, por exemplo) pode ser considerada no mesmo dia como "golpista" ou como fonte de notícias extremamente confiável ("deu na Folha", por exemplo, é citado por muitos situacionistas antes de alguma notícia favorável ao governo ou contrária aos oposicionistas).

A informação que não serve para reforçar suas idéias é descartada, não influenciando no seu processo decisório, ou reforçando a idéia do "perseguido" ou dos "iluminatti", quase sempre envolvendo alguma teoria da conspiração.

São fidelíssimos e dogmáticos quanto às suas escolhas, apesar de tentarem sempre justificar comum fino (em relação à espessura, não a qualidade) verniz de racionalidade. Tendem a reagir de forma agressiva (verbal ou fisicamente) quando suas idéias são confrontadas.

Para os paranóicos, os eleitores situacionistas são amigos e os oposicionistas são inimigos.

O eleitor com acesso à informação, e que a reconhece como tal – o ideológico
C'mon grab your friends.

O que diferencia o tipo anterior de eleitor deste é que, enquanto aqueles filtram a informação de modo a se encaixar em suas ideias preconcebidas, estes sabem que as informações desabonadoras a seus candidatos são verdadeiras, mas, mesmo assim, justificam suas posições que a eleição de seus candidatos é um mal menor, ou que não há outra forma de agir politicamente, ou os fins justificam os meios, ou que tais atitudes são necessárias para um bem maior para a coletividade, ou que os benefícios já conquistados ou a serem alcançados no futuro podem estar ameaçados com a descontinuidade do poder vigente.

Este eleitor tem o discernimento para separar as informações (em verdadeiras ou falsas) independentemente da fonte ou do teor das mesmas. Normalmente, o argumento utilizado para justificar o voto é que o adversário (ou adversários) é igual ou pior.

Este eleitor faz uma escolha racional, dentro de seus próprios parâmetros (p.ex., "rouba mas faz" é a tradução de "os fins justificam os meios").

Porém, seu voto está ligado à sua consciência. Há um limite individual que não pode ser cruzado, ou este eleitor abandona àquela candidatura; se a linha for cruzada lentamente, o eleitor tente a migrar para posições ou partidos ideologicamente semelhantes; se a decepção for grande, o eleitor pode ser jogado definitivamente na oposição àquele candidato ou simplesmente passa a ignorar qualquer um.

Para este eleitor, os isolados, os iludidos e os paranóicos são elementos importantes para a manutenção do status quo – mesmo que não se concorde com suas ideias, são necessários para volume e pressão, ou para democraticamente aprovar a continuidade. Muitos dos eleitores ideológicos se esforçam para trazer os outros eleitores a este nível. Uma relação diferente se dá com o próximo tipo de eleitor.

O eleitor com acesso à informação, e que a usa para seu próprio benefício – o pragmático
- Nem pássaro, nem avião.
É o inimigo.
Kriptonita disponível
na Lexshop mais próxima.

Este tipo de eleitor, como o anterior, sabe que há informações verdadeiras e falsas, e as identifica com facilidade. A única diferença: sua reação não é ideológica, mas de cunho pessoal. Pode não ser uma escolha moral, mas é uma reação racional.

Normalmente, ocupa alguma posição na hierarquia de poder, e seu lugar é mantido pela continuidade. 

Este é o voto mais firme, ao mesmo tempo, e mais volátil: defende a continuidade com unhas e dentes, mas pode mudar de posição assim que o poder muda de lado.

Ele vê os isolados, iludidos e paranóicos como massa de manobra, a ser utilizada para seus fins – nem que para isso tenha que agir violentamente contra a sociedade.

A relação com os ideológicos, porém, é conflituosa. Os ideológicos aceitam a existência dos pragmáticos por acreditar na necessidade da existência dos mesmos – muitas vezes, coordenando ou incitando os iludidos e os paranóicos para fazer o “trabalho sujo que tem de ser feito” – e que, com o tempo, eles serão eliminados. Os pragmáticos aceitam os ideológicos como sustentação de seu status quo, e como ponte com os outros tipos de eleitor.

Bem, são estes. Como sempre, comentários abertos - apenas moderados para manter um nível aqui.



David Araújo

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Usando a "Reserva Técnica"

                Este texto não é tão longo e árido quanto o anterior, mas vai exigir um pouco de paciência e, principalmente, abstração e desapego de seus dogmas políticos.

O governo do PSDB, que administra o Estado há pelo menos 20 anos através de sucessivas eleições, já sabia da forte probabilidade de ocorrer essa seca. “Forte probabilidade” porque a meteorologia ainda não atingiu o status de previsibilidade que gostaríamos, mas era certo que, por causa de Los Niños e Las Niñas que nos castigam periodicamente, esta seca chegaria em algum momento. E “forte probabilidade” aliada ao “alto impacto” que a seca trará ao cidadão principalmente das classes mais baixas já acenderia o alarme de qualquer administrador digno deste título gritando “INVESTE NISSO!”
"Não pisca, filho."

E, como se sabe, o governo apostou contra isso, e a seca chegou com força. O PSDB poderia, quando viu a seca chegar, já ter alertado a população para que economizasse, mas preferiu esperar que a chuva caísse – ou pelo menos que a eleição passasse. Como as chuvas não vieram e as reservas caíram sem parar, depois de muito tempo sem tomar providências, o PSDB de São Paulo saiu-se com o uso de certa “Reserva Técnica” (um nome bonito para o volume morto) e fez obras emergenciais para alcançar esse fundo de represa. Nada de chuva, e já estamos indo para o “Volume Morto 2”. Isso num país em que uma das grandes riquezas é exatamente a hídrica.

Só isso já é o suficiente para criticar fortemente o PSDB de São Paulo, com toda a razão. E, mesmo assim, o eleitor paulista reelegeu o governador Geraldo Alckmin. Vai saber por quê.

Volume Morto, ops, reserva técnica.
Agora, imagine, eleitor do PSDB, que essa crise não tivesse acontecido por falta de planejamento, mas por uma bem arquitetada estratégia política: já era sabido desde o início do governo do PSDB que a população já sofria com a falta de água e que iria precisar cada vez mais, mas qualquer investimento no aumento da captação e/ou produção de água foi sumariamente proibido, com a desculpa que a qualidade da água não era de excelência. Ao chegar perto da eleição, o governo do PSDB, magicamente, teria tirado do chapéu um programa “Reserva Técnica Paulista” dizendo ser sensível ao problema da crise hídrica e, como não se poderia esperar por investimentos de longo prazo, esse projeto levaria água para quem não tem imediatamente – e ainda tenta faturar, eleitoralmente, com esse projeto. Só isso já seria motivo pra você (e para mim, também) nunca mais votar no PSDB.

E é aqui que vai ser necessária aquela abstração que eu disse ser necessária logo no início. Vou pedir que você troque “São Paulo, “PSDB” e “água” respectivamente por “Brasil”, “PT” e “médicos”:

@pelicano. http://www.pelicanocartum.net/.

Agora, imagine, eleitor do PT, que essa crise não tivesse acontecido por falta de planejamento, mas por uma bem arquitetada estratégia política: já era sabido desde o início do governo do PT que a população já sofria com a falta de médicos e que iria precisar cada vez mais, mas qualquer investimento no aumento da formação de médicos teria sido sumariamente proibido, com a desculpa que a qualidade dos médicos formados não era de excelência. Ao chegar perto da eleição, o governo do PT, magicamente, teria tirado do chapéu um programa “Mais Médicos” dizendo ser sensível ao problema da falta de médicos e, como não se poderia esperar por investimentos de longo prazo, esse projeto levaria médicos para quem não tem imediatamente – e ainda tenta faturar, eleitoralmente, com esse projeto. Só isso já seria motivo pra você (e para mim, também) nunca mais votar no PT.

"Como era mesmo? Menos com menos da mais?"
A diferença entre as duas situações é pequena, mas é importante. O governo do PSDB não investiu por não ter planejado para enfrentar – ou por ter apostado seu planejamento em que não haveria – a seca, mas também não tentou “ganhar eleitoralmente” com isso. O governo do PT através do deputado Arlindo Chinaglia  PROIBIU a criação de novos cursos de medicina – evitando desta maneira a formação de um número maior de médicos, aumentando o problema e vendendo uma solução emergencial e paliativa - além de ganhar eleitoralmente em cima disto com o programa “Mais Médicos”.

Isso num país com uma riqueza ainda mais valiosa: seu povo, precisando de mais educação e pronto a corresponder a esse chamado?

Então?

David Araújo
Para saber mais:


Para se divertir: Pelicano Cartum

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Por que os paulistas não votaram em Dilma e no PT no primeiro turno ou o fantasma do Ademar.


Ademar, Ademar, é mió e não faiz mar.

Pessoas, esse é um texto longo, árido e nitidamente contra o governo atual. Sou daqueles contra a continuidade e que enxergam mais males do que bens nele. Mas, pra tentar facilitar a vida de todo mundo – inclusive dos governistas empedernidos, aí vai um resumo:

1.   São Paulo é um pouco de cada pedaço do Brasil
2.   Dizer que paulista é preconceituoso é preconceito e generalização infantil
3.   O discurso de ódio de separação começou com o PT
4.   São Paulo já conhece o rouba mas faz.
5.   O governo Lula/Dilma me lembra o governo Maluf/Pitta, com uma reedição do Ademar de Barros.
6. Essa análise só vale pro primeiro turno. No segundo, tudo pode se reverter.

Este é o resumo. E agora vem a história.

Desde o fim do primeiro turno, tenho percebido um discurso de ódio crescente de muitos de meus conhecidos simplesmente porque São Paulo não elegeu o candidato do PT para governador– ou pior, colocou-o num sofrido 3º lugar —, além de colocar a candidata à reeleição em segundo. Não senti o mesmo discurso quanto aos cariocas, onde o candidato a governador pelo PT também amargou um sofrido 4º lugar. Talvez por que o que importava mesmo é a eleição para presidente.

Daí, vem um discurso engajado de que o eleitor paulista é “direitista, conservador, reacionário, preconceituoso e coxinha” (para dizer o mínimo) que, pelo nível dos comentários, tem tanto significado político quanto “feio, bobo, melequento, chato e coxinha” (nessa ordem) – ou seja, são utilizados mais para ofender e acuar do que para explicar ou definir uma posição ideológica. Normalmente, apenas repetem o que um ou outro formador de opinião (de quem a repete) disse, sem ao menos saber o que cada um destes termos significa.

Não que muitos dos eleitores paulistas não sejam exatamente assim (direitistas, conservadores, reacionários e coxinhas). Mas muitos eleitores mineiros, paranaenses, piauienses e acreanos também o são. Os paulistas não o são mais do que o resto do país. São Paulo é o maior estado do país em população, em produção de riquezas etc. e provavelmente em desigualdade; não considerar isso talvez leve as pessoas que não entendem São Paulo (ou que entendem, mas querem tornar válida alguma teoria) a achar que há preconceito institucionalizado no Estado, ou um antipetismo, e que a gente se reúne toda quinta-feira no terraço Itália para tomar um pinot noir e cabernet sauvignon e falar mal do lulopetismo. E que a gente odeia pobre, nordestino e negro (não necessariamente nesta ordem).

O que esses críticos se esquecem (ou intencionalmente preferem esconder por desonestidade intelectual) é que este Estado foi construído por imigrantes, e que continua recebendo a todos. Difícil você encontrar um “paulista” de quatro costados por aqui.  Mesmo que você considere o paulista simplesmente como a pessoa que nasce em São Paulo (um pensamento nada contemporâneo) e não como o cidadão comum deste Estado, aquele que escolheu São Paulo (ou foi escolhido por ele). Nenhuma cidade brasileira representa mais a diversidade deste país do que nossa capital. Então, quando se generaliza que o paulista é “conservador, reacionário e preconceituoso”, você está dizendo que o brasileiro é “conservador, reacionário e preconceituoso”. E, obviamente, está incorrendo num preconceito sem tamanho.

Há pessoas idiotas aqui? Sim. E, como tudo em São Paulo, em números industriais. Mas essas pessoas, que ganharam voz na internet através das redes sociais (só amplificada pelos idiotas que denunciaram “o preconceito de São Paulo” e repetiram essa voz a exaustão), são minoria.

Sério.

O que importa é: essa história de preconceito generalizado dos paulistas em relação a qualquer coisa é de uma demência sem tamanho. Serve apenas para manter e justificar esse clima de “nós contra eles”. O Nordeste (a maior cidade nordestina do país é São Paulo, lembrem-se) está sendo usado pelo partido da situação com maestria: pega-se o preconceito de algumas pessoas que, muito a calhar, se identificam como paulistas, amplia-se ao máximo, e assim se causa uma reação do tipo “eles são nossos inimigos. Se eles votam no candidato A, então, o candidato A é nosso inimigo.” Ou o jeito mais comum, hoje em dia “os paulistas são da elite. Se eles votam no candidato A é porque o candidato A é da elite. A elite é nossa inimiga.” Ou “a mídia” ou “a direita” ou “os conservadores” ou “os preconceituosos” ou “os melequentos”. Ou qualquer coisa que sirva para divergir. E aqueles que são vítimas do preconceito de poucos acabam generalizando seu ódio para muitos. E preconceito gera preconceito.

Mesmo assim, resta analisar o porquê, no primeiro turno, o “paulista” resolveu eleger o Alckmin no primeiro turno e porque Dilma ficou em segundo lugar – não sei como vai ser o segundo turno, se a campanha do PT vai conseguir desidratar (trocadilho :) ) o Aécio ou não em São Paulo, mas vá lá minha análise.

Lembro de de São Paulo desde a década de 70, mas não velho o suficiente para me esquecer. E, se você não morou em São Paulo, não vai saber do que estou falando – ou, no máximo, vai entender em algum grau de comparação. São Paulo não tem preconceito contra o PT. Na história de São Paulo, o PT sempre foi bem votado. O PT nasceu nas lutas do ABC paulista (e, então, do seu direitismo, conservadorismo, reacionarismo e coxinhismo).

A questão não é o preconceito, é a história.

Quando são apresentados a toda corrupção no país nos dias de hoje, mesmo os situacionistas mais empedernidos sabem o que está acontecendo. E apresentam as justificativas para aceitar esta situação:

1.   Antes era pior. Se entrar a oposição, eles também vão roubar.
2.   O que importa é que o governo está garantindo a distribuição de renda, e olha pelos mais pobres. Os outros governos nunca fizeram isso. Depois que forem consolidadas as conquistas de diminuição da desigualdade, poderemos combater com mais afinco a corrupção.
3.   O país está cheio de obras e de emprego

Basicamente, os motivos para se votar na situação é que o governo atual olha pros pobres, e faz coisas, enquanto a oposição só rouba e governa para os ricos.

Ou seja, o governo rouba (ou deixa roubar), mas faz.

E os fins justificam os meios.

E São Paulo tem pelo menos duas experiências com isso: Ademar de Barros e Paulo Maluf.

Paulo Maluf é aliado do governo atual, e todo mundo conhece sua história. Inclusive do poste do Paulo Maluf, chamado Celso Pitta. Lembrando que o Pitta foi preso por corrupção.
Maluf e aliados. Desculpe: Maluf e o eixo.
Ademar de Barros atualmente é menos conhecido fora de São Paulo, mas foi interventor e governador do Estado e prefeito de São Paulo. Ele chegou a incorporar o lema “rouba, mas faz” a sua campanha.

Caixa 2? Os ademaristas tinham até jingle pra isso:

Quem não conhece?
Quem nunca ouviu falar?
Na famosa 'caixinha' do Adhemar!
Que deu livros, deu remédios, deu estrada!.
Caixinha abençoada!

Quando morreu em Paris, Ademar tinha em espécie aproximadamente U$2.500.0000. Na década de 60. Era dinheiro pra caramba. E quem nos informa disso é o WikiLeaks, pois esse dinheiro foi roubado no famoso caso do "roubo do cofre do Ademar". E, lendo sobre este caso, tem uma coincidência muito engraçada. Não vou fazer spoilers, tá lá no link.

O Caixa 2, a corrupção, tudo era plenamente justificável pelo bem que ele fazia aos mais pobres. E, por mais que por onde quer que se passe em São Paulo exista obra de Maluf e do Ademar, hoje São Paulo já sabe que não foi bem assim um governo para os pobres, e que o rouba mas faz, em longo prazo, acaba tirando daqueles que mais precisam.

Da mesma forma que a inflação. Ou a banalização da corrupção. 
No ombro de nosso gigante ditador predileto.

Não é um sentimento ou uma certeza facilmente identificável aqui. Mas é uma sensação de que isto já aconteceu.

Como tragédia e como farsa.

E eu sei que, daqui a alguns anos, o Brasil vai ter tanto orgulho do governo atual quanto São Paulo tem orgulho destas administrações Ademar/Maluf/Pitta. Obviamente, quem é ademarista, malufista e/ou petista, hoje, vai achar que eu estou completamente errado.

E, acredite, eu realmente preferia estar errado.

 David Araújo
Para saber mais:
O cofre do Ademar: clique aqui para saber mais. Sem Spoilers!
Ademar de Barros: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ademar_Pereira_de_Barros